A Brasileira de Prazins - Camilo Castelo Branco
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Sinopse
O livro começa com o autor a descrever num prólogo como lhe veio parar às mãos uma carta desesperada escrita por uma jovem, a Marta de Prazins a José Dias, o homem que ama e que está a morrer. O autor recorre então a um conhecido que lhe relata a história.
O romance em si, conta duas histórias. Após introduzir as personagens que vão ser centrais na segunda parte do livro, este passa a centrar-se na história de um falso D. Miguel que se esconde na casa de um padre minhoto. Deste modo Camilo procura dar ao leitor um retrato das condições sociais, políticas e económicas do Minho no período pós-Lutas liberais
A segunda parte do livro conta a história de Marta e do seu amor por José Dias, e como ela acaba conhecida como a brasileira de Prazins.
Prólogo
Entre as diversas moléstias significativas da minha velhice, o amor aos livros antigos – a mais dispendiosa – leva-me o dinheiro que me sobra da botica, onde os outros achaques me obrigam a fazer grandes orgias de pílulas e tisanas. E, quando cuido que me curo com as drogas e me ilustro com os arcaísmos, arruíno o estômago, e enferrujo o cérebro numa caturrice académica.
Constou-me aqui há dias que a Srª Joaquina de Vilalva tinha um gigo de livros velhos entre duas pipas na adega, e que as pipas, em vez de malhais de pão, assentavam sobre missais, O meu informador denomina missais todos os livros grandes; aos pequenos chama cartilhas. Mandei perguntar à Srª Joaquina se dava licença que eu visse os livros. Não só mos deixou ver, mas até mos deu todos – que escolhesse, que levasse.
Examinei-os com alvoroço de bibliómano. Eles, gordurosos, húmidos, empoeirados, pareciam-me sedutores como ao leitor delicadamente sensual se lhe afigura a face da mulher querida, oleosa de cold-cream, pulverizada de bismuto.
Havia sermonários latinos, um Marco Marullo, três retóricas, muitas teologias morais, um Euclides, comentários de versões literais de Tito Lívio e Virgílio. Deixei tudo na benemérita podridão, tirante uma versão castelhana do mantuano por Diego Lopez e um muito raro Entendimento literal e canstrviçam portugueza de todas as obras de Horacio, por industria de Francisco da Costa, impresso em 1639.
Disse-me a dadivosa viúva de Vilalva que os livros estavam na adega havia mais de trinta anos, desde que seu cunhado, que estudava para padre, morrera ético; que o seu homem – Deus lhe fale na alma – mandara calcar o quarto onde o estudante acabara, e atirou para as lojas tudo o que era do defunto – trastes, roupa e livralhada. Contou-me isto secamente do extinto cunhado, ao mesmo tempo que roçava com a mão fagueira o ventre grávido de uma gata maltesa que lhe resbunava no regaço, passando-lhe pela cara a cauda em atritos de ama flacidez de arminho. E eu que dedico aos bichos um afecto nostálgico, uma sensibilidade retroactiva, um atavismo que me retrocede aos meus saudosos tempos de gorilha, olhava para a gata que me piscava um olho com uma meiguice antiga – a das meninas da minha mocidade que piscavam. Onde isto vai!