A Vida Eterna - Machado de Assis
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Prólogo
É opinião unânime que não há estado comparável àquele que nem é sono nem vigília,
quando, desafogado o espírito de aflições, procura algum repouso às lides da existência.
Eu de mim digo que ainda não achei hora de mais prazer, sobretudo quando tenho o
estômago satisfeito e aspiro a fumaça de um bom charuto de Havana.
Depois de uma ceia copiosa e delicada, em companhia de meu excelente amigo o dr.
Vaz, que me apareceu em casa depois de dois anos de ausência, fomos eu e ele para a
minha alcova, e aí entramos a falar de coisas passadas, como dois velhos para quem já
não tem futuro a gramática da vida.
Vaz estava assentado numa cadeira de espaldar, toda forrada de couro, igual às que
ainda hoje se encontram nas sacristias; e eu estendi-me em um sofá também de couro.
Ambos fumávamos dois excelentes charutos que me haviam mandado de presente
alguns dias antes.
A conversa, pouco animada ao princípio, foi esmorecendo cada vez mais, até que eu e
ele, sem deixarmos o charuto da boca, cerramos os olhos e entramos no estado a que
aludi acima, ouvindo os ratos que passeavam no forro da casa, mas inteiramente
esquecidos um do outro.