A Mágoa do Infeliz Cosme - Machado de Assis
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Prólogo
ventura, faleceu-lhe a mulher, ainda na flor da idade, e no esplendor das graças com que
a dotara a natureza. Uma rápida moléstia a arrebatou aos carinhos do esposo e à
admiração de quantos tiveram a honra e o prazer de praticar com ela. Quinze dias apenas
esteve de cama; mas foram quinze séculos para o infeliz Cosme. Por cúmulo de
desgraças, expirou longe dos olhos dele; Cosme saíra para ir buscar a solução de um
negócio; quando chegou à casa achou um cadáver.
Dizer a aflição em que este acontecimento lançou o infeliz Cosme pediria outra pena que
não a minha. Cosme chorou logo no primeiro dia todas as suas lágrimas; no dia seguinte
tinha os olhos exaustos e secos. Os seus numerosos amigos contemplavam com tristeza
o rosto do infeliz e ao lançar a pá de terra sobre o caixão já depositado no fundo da cova,
mais de um recordou os dias que passara ao pé dos dois esposos, tão queridos um do
outro, tão venerados e amados dos seus íntimos.
Cosme não se limitou ao encerramento usual dos sete dias. A dor não é costume, dizia
ele aos que o iam visitar; sairei daqui quando puder arrastar o resto dos meus dias. Ali
ficou durante seis semanas, sem ver a rua nem o céu. Os seus empregados iam prestarlhe
contas, a que ele, com incrível esforço, prestava religiosa atenção. Cortava o coração
ver aquele homem ferido no que havia de mais caro para ele, discutir às vezes um erro de
soma, uma troca de algarismos. Uma lágrima às vezes vinha interromper a operação. O
viúvo lutava com o homem do dever.