Astúcias de Marido - Machado de Assis
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Prólogo
depois de viúvo, torne a casar. Valentim Barbosa achava-se ainda no primeiro caso e já
compartia a admiração do poeta pelos que se casavam duas vezes.
Não é que a mulher dele fosse um dragão ou uma fúria, uma mulher como a de Sócrates;
ao contrário, Clarinha era meiga, dócil e submissa, como uma rola; nunca abrira os lábios
para exprobrar ao marido uma expressão ou um gesto. Mas que faria então a desgraça
de Valentim? É o que eu vou dizer aos que tiverem a paciência de ler esta história até o
fim.
Valentim fora apresentado em casa de Clarinha pelo correspondente de seu pai no Rio de
Janeiro. Era um rapaz de vinte e oito anos, formado em direito, mas suficientemente rico
para não usar do título como meio de vida.
Era um belo rapaz, no sentido mais elevado da palavra. Adquirira nos campos
riograndenses uma robustez que lhe ia bem com a beleza máscula. Tinha tudo quanto
podia seduzir uma donzela: uma beleza varonil e uma graça de cavaleiro. Tinha tudo
quanto podia seduzir um pai de família: nome e fortuna.
Clarinha era então uma interessante menina, cheia de graças e prendas. Era alta e
magra, não da magreza mórbida, mas da magreza natural, poética, fascinante; era
dessas mulheres que inspiram o amor de longe e de joelhos tão impossível parece que se
lhes possa tocar sem profanação. Tinha um olhar límpido e uma fisionomia insinuante.
Cantava e tocava piano, com a inspiração de uma musa.