Cantiga de Esponsais - Machado de Assis
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Sinopse
É narrado em 3ª pessoa e conta-nos a história de mestre Romão, músico conhecido no Rio de janeiro, nos idos de 1813. Seu comportamento, normalmente circunspecto e triste, transformava-se ao reger. Diante da orquestra, mestre Romão experimentava intensa alegria e satisfação.
Durante toda a vida, o mestre acalentou o sonho de ser um grande compositor, contudo faltava-lhe inspiração, apesar de ser exímio executor de peças alheia. Logo que casou, aliás, mestre Romão, começou a composição de uma peça - uma cantiga de esponsais, a qual, mesmo após a morte precoce da esposa, permaneceu inacabada.
Depois de uma apresentação na Igreja do Carmo, mestre Romão foi para casa, sentindo-se adoentado. Pediu a pai José, um preto velho com quem morava, que lhe buscasse remédios. De qualquer forma, mestre Romão pressentia que a sua vida estava no fim.
Isso fez com que ele retomasse sua antiga peça, numa ultima tentativa de concluí-la. Pediu que colocassem o cravo na sala do fundo por ser mais arejada. Dali, ele podia ver um jovem casal no parapeito da janela de uma casa próxima.
Prólogo
Imagine a leitora que está em 1813, na igreja do Carmo, ouvindo uma daquelas boas
festas antigas, que eram todo o recreio público e toda a arte musical. Sabem o que é uma
missa cantada; podem imaginar o que seria uma missa cantada daqueles anos remotos. Não
lhe chamo a atenção para os padres e os sacristães, nem para o sermão, nem para os olhos
das moças cariocas, que já eram bonitos nesse tempo, nem para as mantilhas das senhoras
graves, os calções, as cabeleiras, as sanefas, as luzes, os incensos, nada. Não falo sequer da
orquestra, que é excelente; limito-me a mostrar-lhes uma cabeça branca, a cabeça desse
velho que rege a orquestra, com alma e devoção.
Chama-se Romão Pires; terá sessenta anos, não menos, nasceu no Valongo, ou por
esses lados. É bom músico e bom homem; todos os músicos gostam dele. Mestre Romão é
o nome familiar; e dizer familiar e público era a mesma coisa em tal matéria e naquele
tempo. "Quem rege a missa é mestre Romão" — equivalia a esta outra forma de anúncio,
anos depois: "Entra em cena o ator João Caetano"; — ou então: "O ator Martinho cantará
uma de suas melhores árias." Era o tempero certo, o chamariz delicado e popular. Mestre
Romão rege a festa! Quem não conhecia mestre Romão, com o seu ar circunspecto, olhos
no chão, riso triste, e passo demorado? Tudo isso desaparecia à frente da orquestra; então a
vida derramava-se por todo o corpo e todos os gestos do mestre; o olhar acendia-se, o riso
iluminava-se: era outro. Não que a missa fosse dele; esta, por exemplo, que ele rege agora
no Carmo é de José Maurício; mas ele rege-a com o mesmo amor que empregaria, se a
missa fosse sua.