Dívida Extinta - Machado de Assis
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Prólogo
Que ele era um dos primeiros gamenhos de seu bairro e outros bairros adjacentes, é
coisa que não sofre nem sofreu nunca a menor contestação. Podia ter competidores;
teve-os; não lhe faltaram invejosos; mas a verdade, como o sol, acabou dissipando as
nuvens e mostrando a face rutilante e divina, ou divinamente rutilante, como lhes parecer
mais correntio e penteado. O estilo há de ir à feição do conto, que é singelo, nu, vulgar,
não desses contos crespos e arrevesados com que autores de má sorte tomam o tempo e
moem a paciência à gente cristã. Pois não! Eu não sei dizer coisas fabulosas e
impossíveis, mas as que me passam pelos olhos, as que os leitores podem ver e terão
visto. Olho, ouço e escrevo.
E é por isso que não lhes pinto o meu gamenho de olhos derreados o fronte byroniana.
De Byron é que ele não tinha nada, a não ser um volume truncado, vertido em prosa
francesa, volume que ele lia e relia, a ver se extraía dele e da cabeça um recitativo à
dama de seus pensamentos, que pela sua parte era a mais galante do bairro.
O bairro era o espaço compreendido entre o Largo da Imperatriz e o cemitério dos
Ingleses. A data... há uns vinte e cinco anos. O gamenho tinha por nome Anacleto
Monteiro. Era nesse tempo um rapaz de vinte e três para vinte e quatro anos, com um
princípio de barba e outro de bigode, rosto moreno, olhos de azeviche, cabelo castanho,
grosso, farto e comprido, que ele arranjava em caracóis, à força de pente e banha e sobre
o qual punha às tardes, o melhor de seus dois chapéus brancos. Anacleto Monteiro
adorava o chapéu branco e as botas de verniz. Naquele tempo alguns gamenhos usavam
umas botas de verniz de cano vermelho.