Ernesto de Tal - Machado de Assis
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Prólogo
Aquele moço que ali está parado na Rua Nova do Conde esquina do Campo
da Aclamação, às dez horas da noite, não é nenhum ladrão, não é sequer um
filósofo. Tem um ar misterioso, é verdade; de quando em quando leva a mão ao
peito, bate uma palmada na coxa, ou atira fora um charuto apenas encetado.
Filósofo já se vê que não era. Ratoneiro também não: se algum sujeito acerta de
passar pelo mesmo lado, o vulto afasta-se cauteloso, como se tivesse medo de ser
conhecido.
De dez em dez minutos, sobe a rua até o lugar em que ela faz ângulo com a
Rua do Areal, torna a descer dez minutos depois, para de novo subir e descer,
descer e subir, sem outro resultado mais que aumentar cinco por cento a cólera que
lhe murmura no coração.
Quem o visse fazer estas subidas e descidas, bater na perna, acender e
apagar charutos, e não tivesse outra explicação, suporia plausivelmente que o
homem estava doido ou perto disso. Não, senhor; Ernesto de Tal (não estou
autorizado para dizer o nome todo) anda simplesmente apaixonado por uma moça
que mora naquela rua; está colérico porque ainda não conseguiu receber resposta
da carta que lhe mandou nessa manhã.
Convém dizer que dois dias antes tinha havido um pequeno arrufo. Ernesto
quebrara o protesto de namorado que lhe fizera, de nunca mais escrever-lhe,
mandando nessa manhã uma epístola de quatro laudas incendiárias, com muitos
sinais admirativos e várias liberdades de pontuação. A carta foi, mas a resposta não
veio.