Fernando e Fernanda - Machado de Assis
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Prólogo
Tinham os mesmos nomes. Cresceram juntos, à sombra do mesmo amor materno. Ele
era órfão, e a mãe dela, que o amava como se ele fora seu filho, tomou-o para si, e reuniu
os dois debaixo do mesmo olhar e dentro do mesmo coração. Eram quase irmãos, e sêlo-
iam sempre completamente, se a diferença dos sexos não viesse, um dia, dizer-lhes
que um laço mais íntimo podia uní-los.
Um dia, tinham ambos quinze anos, descobriram os dois que se amavam, e mais do que
se amam irmãos. Esta descoberta foi feita durante uma troca de olhares e um contacto de
mãos.
— Fernanda! disse ele.
— Fernando! respondeu ela.
O resto foi dito nessa linguagem muda e eloqüente, em que o maior ignorante faz
prodígios de retórica, retórica do coração, retórica universal.
Mas o amor, sobretudo o amor calouro, como era o dos meus heróis, tem o inconveniente
de supor que todo o resto da humanidade está com os olhos tapados e os ouvidos
surdos, e que ele pode existir só para si, invisível e impalpável.
Ora, não sendo assim, apesar da boa fé de Fernando e Fernanda, aconteceu que a velha
mãe deu pelas coisas logo dois dias depois da primeira revelação.
Esperavam os três a hora do chá, reunidos em torno de uma pequena mesa, onde
Madalena (a mãe de ambos) punha em ordem uns papéis. Os papéis diziam respeito a
várias reclamações que Madalena devia fazer, por parte de seu finado marido, à fazenda
pública.