Francisca - Machado de Assis
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Prólogo
O poeta Daniel amava em Francisca tudo: o coração, a beleza, a mocidade, a inocência e
até o nome. Até o nome! De mim digo que acho razão em Daniel. Não julguemos este
nome de Francisca pelo uso e abuso que dele se faz; mas pela harmonia e doçura
daquelas três sílabas, tão bem ligadas, tão amorosamente doces.
Daniel amava até o nome. Tinha nela o ideal da felicidade doméstica que se preparava a
conquistar mediante as fórmulas sagradas do matrimônio.
O amor nasceu naqueles dois corações como a flor em planta que está de vez. Pareceu
coisa escrita no livro dos destinos. Viram-se e amaram-se: o amor que os tomou foi um
desses amores profundos e violentos a que nada resiste: um destes amores que fazem
supor a existência de um sistema em que duas almas descem a este mundo, já
predestinadas a viverem de si e entre si.
Ora, Francisca, no tempo em que Daniel a viu pela primeira vez, era um tipo de beleza
cândida e inocente de que a história e a literatura nos dão o exemplo em Ruth, Virgínia e
Ofélia; a pureza exterior denunciava a pureza interior; lia-se-lhe na alma através dos olhos
límpidos e sinceros; uma sensibilidade sem pieguices, uma modéstia sem afetação, tudo
o que a natureza, que ainda se não perverteu, pode oferecer ao coração e aos olhos de
um poeta, tudo existia na amada do poeta Daniel.
Se aquelas duas existências se unissem logo, se consolidassem desde o princípio o
sentimento que por tanto tempo os estremeceu, era certo que a mais perfeita união moral
os levaria até os mais longos anos, sem perturbação de natureza alguma.