História de uma Lágrima - Machado de Assis
Download no computador / eBook Reader / Mobile
169 kb
Prólogo
Que é uma lágrima? A ciência dar-nos-á uma explicação positiva; a poesia dirá que é o
soro da alma, a linguagem do coração. Bem pouco avulta essa leve gota de humor que os
olhos vertem por alguma causa física ou moral. É nada e é tudo; para os ânimos práticos
é um sinal de fraqueza; para os corações sensíveis é um objeto de respeito, uma causa
de simpatia.
Alexandre Dumas comparou eloqüentemente o dilúvio a uma lágrima do Senhor, lágrima
de dor, se a dor pode ser divina, que a impiedade arrancou dos olhos do autor das coisas.
Mas a lágrima cuja história empreendo nestas curtas e singelas páginas não foi tamanha
como essa que produziu o grande cataclisma. Foi uma simples gota, derramada por olhos
humanos, em hora de aflição e desespero. Quem tiver chorado achar-lhe-á algum
interesse.
Conheci um homem de trinta anos que era o homem mais singular do mundo, começando
por parecer sexagenário. Era alto, e daquela severa beleza que consiste em mostrar nos
traços do rosto os sulcos de um grande e nobre sofrimento. Os cabelos eram todos
brancos, caídos para trás sem afetação nem cuidado. Tinha os olhos fundos. Era pálido,
magro, curvado. Vivia só, numa casa escondida lá para as bandas de Catumbi, lugar que
ele próprio escolhera para não dar muito trabalho aos amigos que quisessem levá-lo ao
cemitério. Poucas vezes saía; lia algumas vezes; meditava quase sempre.
Os seus passeios ordinários, quando lhe acontecia passear, eram ao cemitério, onde se
demorava habitualmente duas horas. Quando voltava e lhe perguntavam de onde vinha,
respondia que fora ver casa para mudar-se.