Luís Soares - Machado de Assis
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Prólogo
Trocar o dia pela noite, dizia Luís Soares, é restaurar o império da natureza
corrigindo a obra da sociedade. O calor do sol está dizendo aos homens que
vão descansar e dormir, ao passo que a frescura relativa da noite é a
verdadeira estação em que se deve viver. Livre em todas as minhas ações,
não quero sujeitar-me à lei absurda que a sociedade me impõe: velarei de
noite, dormirei de dia.
Contrariamente a vários ministérios, Soares cumpria este programa com um
escrúpulo digno de uma grande consciência. A aurora para ele era o
crepúsculo, o crepúsculo era a aurora. Dormia doze horas consecutivas
durante o dia, quer dizer das seis da manhã às seis da tarde. Almoçava às
sete e jantava às duas da madrugada. Não ceava. A sua ceia limitava-se a
uma xícara de chocolate que o criado lhe dava às cinco horas da manhã
quando ele entrava para casa. Soares engolia o chocolate, fumava dois
charutos, fazia alguns trocadilhos com o criado, lia uma página de algum
romance, e deitava-se.