Miss Dollar - Machado de Assis
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Prólogo
Era conveniente ao romance que o leitor ficasse muito tempo sem saber quem era Miss
Dollar. Mas por outro lado, sem a apresentação de Miss Dollar, seria o autor obrigado a
longas digressões, que encheriam o papel sem adiantar a ação. Não há hesitação possível:
vou apresentar-lhes Miss Dollar.
Se o leitor é rapaz e dado ao gênio melancólico, imagina que Miss Dollar é uma inglesa
pálida e delgada, escassa de carnes e de sangue, abrindo à flor do rosto dous grandes olhos
azuis e sacudindo ao vento umas longas tranças louras. A moça em questão deve ser
vaporosa e ideal como uma criação de Shakespeare; deve ser o contraste do roastbeef
britânico, com que se alimenta a liberdade do Reino Unido. Uma tal Miss Dollar deve ter o
poeta Tennyson de cor e ler Lamartine no original; se souber o português deve deliciar-se
com a leitura dos sonetos de Camões ou os Cantos de Gonçalves Dias. O chá e o leite
devem ser a alimentação de semelhante criatura, adicionando-se-lhe alguns confeitos e
biscoutos para acudir às urgências do estômago. A sua fala deve ser um murmúrio de harpa
eólia; o seu amor um desmaio, a sua vida uma contemplação, a sua morte um suspiro.
A figura é poética, mas não é a da heroína do romance.