O Anel de Polícrates - Machado de Assis
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Sinopse
Dois amigos conversavam quando, ao alcance da vista, pareceram-lhe ver Xavier. Este que de acordo com um dos amigos, mais antigo, fora homem de muita letra e riqueza, para o outro que o conhecia a quinze anos nada sabia desta particularidade.
Tudo tinha e tudo perdera.
Contava o amigo mais próximo que estando um dia à frente da janela, Xavier viu um homem montado a cavalo. O animal hesitou por um instante, e quase derrubou o taful. Este equilibrou-se e ao usar as esporas com firmeza, em dez minutos retornava o cavalo à mansidão. Foi quando Xavier cunhou a seguinte frase, comparando a vida a um cavalo xucro ou manhoso: “ Quem não for cavaleiro, que o pareça ”. Sentiu-se como um resgate dos tempos de fartura, e flexionou a idéia para si das diversas formas que a sintaxe permitia.
Prólogo
Lá vai o Xavier.
Z
Conhece o Xavier?
A
Há que anos! Era um nababo, rico, podre de rico, mas pródigo...
Z
Que rico? que pródigo?
A
Rico e pródigo, digo-lhe eu. Bebia pérolas diluídas em néctar. Comia línguas de rouxinol.
Nunca usou papel mata-borrão, por achá-lo vulgar e mercantil; empregava areia nas cartas,
mas uma certa areia feita de pó de diamante. E mulheres! Nem toda a pompa de Salomão
pode dar idéia do que era o Xavier nesse particular. Tinha um serralho: a linha grega, a tez
romana, a exuberância turca, todas as perfeições de uma raça, todas as prendas de um
clima, tudo era admitido no harém do Xavier. Um dia enamorou-se loucamente de uma
senhora de alto coturno, e enviou-lhe de mimo três estrelas do Cruzeiro, que então contava
sete, e não pense que o portador foi aí qualquer pé-rapado. Não, senhor. O portador foi um
dos arcanjos de Milton, que o Xavier chamou na ocasião em que ele cortava o azul para
levar a admiração dos homens ao seu velho pai inglês. Era assim o Xavier. Capeava os
cigarros com um papel de cristal, obra finíssima, e, para acendê-los, trazia consigo uma
caixinha de raios do sol. As colchas da cama eram nuvens purpúreas, e assim também a
esteira que forrava o sofá de repouso, a poltrona da secretária e a rede. Sabe quem lhe fazia
o café, de manhã? A Aurora, com aqueles mesmos dedos cor-de-rosa, que Homero lhe pôs.
Pobre Xavier! Tudo o que o capricho e a riqueza podem dar, o raro, o esquisito, o
maravilhoso, o indescritível, o inimaginável, tudo teve e devia ter, porque era um galhardo
rapaz, e um bom coração. Ah! fortuna, fortuna! Onde estão agora as pérolas, os diamantes,
as estrelas, as nuvens purpúreas? Tudo perdeu, tudo deixou ir por água abaixo; o néctar
virou zurrapa, os coxins são a pedra dura da rua, não manda estrelas às senhoras, nem tem
arcanjos às suas ordens ...