O Empréstimo - Machado de Assis
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Prólogo
Vou divulgar uma anedota, mas uma anedota no genuíno sentido do vocábulo, que o vulgo
ampliou às historietas de pura invenção. Esta é verdadeira; podia citar algumas pessoas que
a sabem tão bem como eu. Nem ela andou recôndita, senão por falta de um espírito
repousado, que lhe achasse a filosofia. Como deveis saber, há em todas as coisas um
sentido filosófico. Carlyle descobriu o dos coletes, ou, mais propriamente, o do vestuário; e
ninguém ignora que os números, muito antes da loteria do Ipiranga, formavam o sistema de
Pitágoras. Pela minha parte creio ter decifrado este caso de empréstimo; ides ver se me
engano.
E, para começar, emendemos Sêneca. Cada dia, ao parecer daquele moralista, é, em si
mesmo, uma vida singular; por outros termos, uma vida dentro da vida. Não digo que não;
mas por que não acrescentou ele que muitas vezes uma só hora é a representação de uma
vida inteira? Vede este rapaz: entra no mundo com uma grande ambição, uma pasta de
ministro, um Banco, uma coroa de visconde, um báculo pastoral. Aos cinqüenta anos,
vamos achá-lo simples apontador de alfândega, ou sacristão da roça. Tudo isso que se
passou em trinta anos, pode algum Balzac metê-lo em trezentas páginas; por que não há de
a vida, que foi a mestra de Balzac, apertá-lo em trinta ou sessenta minutos?