O Astrólogo - Machado de Assis
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Prólogo
Nunca houve talvez nesta boa cidade quem melhor empunhasse a vara de almotacé que
o ativo e sagaz Custódio Marques, morador defronte da sacristia da Sé durante o curto
vice-reinado do conde de Azambuja. Era homem de seus quarenta e cinco anos, cheio de
corpo e de alma — a julgar pela atenção e fervor com que desempenhava o cargo,
imposto pela vereança da terra e pelas leis do Estado. Os mercadores não tinham mais
figadal inimigo do que esse olho da autoridade pública. As ruas não conheciam maior
vigilante. Assim como uns nascem pastores e outros príncipes, Custódio Marques
nascera almotacé; era a sua vocação e apostolado.
Infelizmente, como todo o excesso é vicioso, Custódio Marques, ou por natureza, ou por
hábito, transpôs a fronteira de suas atribuições, e passou do exame das medidas ao das
vidas alheias, e tanto curava de pesos como de costumes. Dentro de poucos meses,
tornou-se o maior indagador e sabedor do que se passava nas casas particulares com
tanta exação e individuação, que, uma sua comadre, assídua devota do Rosário, apesar
da fama longamente adquirida, teve de lhe ceder a primazia.
— Mas, senhor compadre — dizia ela trespassando no alvo seio volumoso o seu lenço de
algodão do tear de José Luís, à Rua da Vala; não, senhor compadre, justiça, justiça. Eu
tinha presunção de me não escapar nada ou pouca coisa; mas confesso que você é muito
mais fino do que eu.