O Califa de Platina - Machado de Assis
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Prólogo
O califa Schacabac era muito estimado de seus súditos, não só pelas virtudes que o
adornavam, como pelos talentos que faziam dele um dos varões mais capazes de Platina.
Os benefícios de seu califado, aliás curto, eram já grandes. Ele iniciara e fundara a
política de conciliação entre as facções do Estado, animava as artes e as letras, protegia
a indústria e o comércio. Se havia alguma rebelião, tratava de vencer os rebeldes; em
seguida perdoava-lhes. Finalmente, era moço, crente, empreendedor e patriota.
Uma noite, porém, estando a dormir, apareceu-lhe em sonhos um anão amarelo, que,
depois de o encarar silenciosamente alguns minutos, proferiu estas palavras singulares:
— Comendador dos crentes, teu califado tem sido um modelo de príncipes; falta-lhe,
porém, originalidade; é preciso que faças alguma coisa original. Dou-te um ano e um dia
para cumprir este preceito: se o não cumprires, voltarei e irás comigo a um abismo, que
há no centro da Tartária, no qual morrerás de fome, sede, desespero e solidão.
O califa acordou sobressaltado, esfregou os olhos e reparou que era apenas um sonho.
Contudo, não pôde dormir mais; levantou-se e foi ao terraço contemplar as últimas
estrelas e os primeiros raios da aurora. Ao almoço, serviram-lhe peras de Damasco. Tirou
uma e quando ia a trincá-la, a pêra saltou-lhe das mãos e saiu de dentro o mesmo anão
amarelo, que lhe repetiu as mesmas palavras da noite. Imagina-se o terror com que
Schacabac as ouviu. Quis falar, mas o anão desaparecera. O eunuco que lhe servira a
pêra estava ainda diante dele, com o prato nas mãos.