O Capitão Mendonça - Machado de Assis
Download no computador / eBook Reader / Mobile
223 kb
Prólogo
Estando um pouco arrufado com a dama dos meus pensamentos, achei-me eu uma noite
sem destino nem vontade de preencher o tempo alegremente, como convém em tais
situações. Não queria ir para casa porque seria entrar em luta com a solidão e a reflexão,
duas senhoras que se encarregam de pôr termo a todos os arrufos amorosos.
Havia espetáculo no Teatro de S. Pedro. Não quis saber que peça se representava;
entrei, comprei uma cadeira e fui tomar conta dela, justamente quando se levantava o
pano para começar o primeiro ato. O ato prometia; começava por um homicídio e acabava
por um juramento. Havia uma menina, que não conhecia pai nem mãe, e era arrebatada
por um embuçado que eu suspeitei ser a mãe ou o pai da menina. Falava-se vagamente
de um marquês incógnito, e aparecia a orelha de um segundo e próximo assassinato na
pessoa de uma condessa velha. O ato acabou com muitas palmas.
Apenas caiu o pano houve a balbúrdia do costume; os espectadores marcavam as
cadeiras e saíam para tomar ar. Eu, que felizmente estava em lugar onde não podia ser
incomodado, estendi as pernas e entrei a olhar para o pano da boca, no qual, sem esforço
da minha parte, apareceu a minha arrufada senhora com os punhos fechados e
ameaçando-me com olhos furiosos.