O Caso Barreto - Machado de Assis
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Prólogo
— Sr. Barreto, não falte amanhã, disse o chefe de seção; olhe que temos de dar essas
cópia ao ministro.
— Não falto, venho cedo.
— Mas, se vai ao baile, acorda tarde.
— Não, senhor, acordo cedo.
— Promete?
— Acordo cedo, deixe estar, a cópia fica pronta. Até amanhã.
Qualquer pessoa, menos advertida, afirma logo que o amanuense Barreto acordou tarde
no dia seguinte, e engana-se. Mal tinham batido as seis horas, abriu os olhos e não os
fechou mais. Costumava acordar às oito e meia ou nove horas, sempre que se recolhia às
dez ou onze da noite; mas, andando em teatros, bailes, ceias e expedições noturnas,
acordava geralmente às onze horas da manhã. Em tais casos, almoçava e ia passar o
resto do dia na charutaria do Brás, Rua dos Ourives. A reputação de vadio, preguiçoso,
relaxado, foi o primeiro fruto desse método de vida; o segundo foi não andar para diante.
Havia já oito anos que era amanuense; alguns chamavam-lhe o marca-passo.
Acrescente-se que, além de falhar muitas vezes, saía cedo da repartição ou com licença
ou sem ela, às escondidas. Como é que lhe davam trabalhos e trabalhos longos? Porque
tinha bonita letra e era expedito; era também inteligente e de compreensão fácil. O pai
podia tê-lo feito bacharel e deputado; mas era tão estróina o rapaz, e de tal modo fugia a
quaisquer estudos sérios, que um dia acordou amanuense.