Quem Não Quer ser Lobo - Machado de Assis
Download no computador / eBook Reader / Mobile
175 kb
Prólogo
Na última noite de carnaval do ano de 1863, houve em um dos hotéis desta boa cidade do
Rio de Janeiro uma lauta ceia que durou até ao raiar do dia. Os convivas saíram a pouco
e pouco, e foram uns a pé, outros de carro, a caminho do respectivo domicílio.
O último que saiu do hotel era um rapaz magro, alto, franzino na aparência, mas dotado
de grande vigor de pulso, como alguns durante a noite e o baile tiveram ocasião de
experimentar. Saiu um tanto trôpego, já pelo cansaço, já pelo vinho, e aos olhos
espantados das quitandeiras que passavam para o mercado, dos varredores das ruas e
dos entregadores de jornais, foi tomando a direção da casa, que era no fim da Rua da
Ajuda.
Justamente no ponto em que se cruzam as ruas da Ajuda, Ourives, S. José e Parto, o
nosso tardio conviva deu com o pé num objeto; abaixou-se para ver o que era; era uma
carteira. Olhou em volta de si; as ruas estavam desertas; nas lojas abertas, ninguém
havia que o pudesse ver. Meteu a carteira no bolso e seguiu para casa.
O moleque já o esperava acordado, depois de ter dormido em santa paz a noite anterior.
O moço subiu as escadas lentamente, despediu-se, e antes de se entregar às delícias do
sono, examinou a carteira e o conteúdo.