Verba Testamentária - Machado de Assis
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Sinopse
O conto Verba testamentária, de Machado de Assis, centra-se no comportamento patológico de seu protagonista, Nicolau. Nele, a aparente espontaneidade decorre de procedimentos formais que, igualmente, promovem a adesão do leitor ao universo ficcional. Ainda que alicerçado na ficção, o conto revela, a partir de uma perspectiva satírica, comportamentos reais, constituindo uma alegoria da natureza egotista do ser humano.
A narração se inicia com a transcrição de uma cláusula do testamento de Nicolau B. de C., na qual exige ser enterrado em um caixão fabricado pelo Sr. Joaquim Soares, um operário humilde. A notícia se espalha pela corte e pelas províncias e é percebida como “uma ação rara e magnânima”. Entretanto, esquecido o episódio, o narrador comprova, através da exposição da vida de Nicolau, que a cláusula do testamento pode ser explicada por um problema congênito do protagonista.
A síntese da história mostra que Nicolau, desde a infância, revela um comportamento doentio: destrói os brinquedos de outras crianças que são melhores do que os seus; na escola, espanca os colegas que se mostram mais adiantados do que ele nos estudos. O sofrimento de Nicolau se acentua na idade adulta, a ponto de não poder suportar a convivência com pessoas simpáticas e nobres. Por sugestão do cunhado, que é médico, Nicolau fica isolado em um ambiente rico, onde sua auto-estima é positivamente estimulada por meio de falsas notícias ruins, publicadas em jornais também inexistentes. Apesar disso, ele piora com o passar do tempo e, quando morre, deixa uma verba para pagar um caixão de má qualidade. A irmã de Nicolau, assim como seu marido, acha o último desejo muito estranho, mas decide que a vontade do defunto deve ser cumprida.
Prólogo
"...Item, é minha última vontade que o caixão em que o meu corpo houver de ser enterrado,
seja fabricado em casa de Joaquim Soares, à rua da Alfândega. Desejo que ele tenha
conhecimento desta disposição, que também será pública. Joaquim Soares não me conhece;
mas é digno da distinção, por ser dos nossos melhores artistas, e um dos homens mais
honrados da nossa terra..."
Cumpriu-se à risca esta verba testamentária. Joaquim Soares fez o caixão em que foi
metido o corpo do pobre Nicolau B. de C.; fabricou-o ele mesmo, con amore; e, no fim, por
um movimento cordial, pediu licença para não receber nenhuma remuneração. Estava pago;
o favor do defunto era em si mesmo um prêmio insigne. Só desejava uma coisa: a cópia
autêntica da verba. Deram-lha; ele mandou-a encaixilhar e pendurar de um prego, na loja.
Os outros fabricantes de caixões, passado o assombro, clamaram que o testamento era um
despropósito. Felizmente, - e esta é uma das vantagens do estado social, - felizmente, todas
as demais classes acharam que aquela mão, saindo do abismo para abençoar a obra de um
operário modesto, praticara uma ação rara e magnânima. Era em 1855; a população estava
mais conchegada; não se falou de outra coisa. O nome do Nicolau reboou por muitos dias
na imprensa da Corte, donde passou à das províncias.