Os Bruzundangas - Lima Barreto
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Sinopse
Os Bruzundangas, publicado em 1923, é obra póstuma de Lima Barreto. Uma coletânea de crônicas, onde o autor com a percepção aguda e crítica, não deixa escapar nada. Satiriza uma fictícia nação onde ele mesmo teria residido. Seus capítulos enfocam, entre outros temas, a diplomacia, a Constituição, transações e propinas, os políticos e eleições em Bruzundanga. Critica os privilégios da nobreza, o poder das oligarquias rurais, a futilidade das sanguessugas do erário, desigualdades, saúde e educação tratadas com desdém, enfim, mazelas parecidas às de um país real. Ao lê-lo, tem-se impressão de que o escritor não se fez arauto de seu tempo; o Brasil é que patinou nos descaminhos de si.
Com malandrice carioca e estilo ágil, próximo da caricatura e zombaria, o afro-brasileiro Lima Barreto é mestre da ficção de escárnio. Nas raízes do imaginário país grassam oportunistas, apaniguados, retrógrados e escravocratas de quatro costados. Sobre os usos e costumes das autoridades, escreve que não atendem às necessidades do povo, tampouco lhe resolvem os problemas. Cuidam de enriquecer e firmar a situação dos descendentes e colaterais. Diz: não há homem influente que não tenha parentes e amigos ocupando cargos de Estado; não há doutores da lei e deputados que não se considerem no direito de deixar aos filhos, netos, sobrinhos e primos gordas pensões pagas pelo Tesouro da República. Enquanto isto, a população é escorchada de impostos e vexações fiscais; vive sugada para que parvos, com títulos altissonantes disso ou daquilo, gozem vencimentos, subsídios e aposentadorias duplicados, triplicados, afora os rendimentos que vêm de outras e quaisquer origens.
Prólogo
QUERIA evitar, mas me vejo obrigado a falar na literatura da Bruzundanga.
E um capítulo dos mais delicados, para tratar do qual não me sinto
completamente habilitado.
Dissertar sobre uma literatura estrangeira supõe, entre muitas, o conhecimento
de duas cousas primordiais : idéias gerais sobre literatura e compreensão
fácil do idioma desse povo estrangeiro. Eu cheguei a entender
perfeitamente a língua da Bruzundanga, isto é, a língua falada pela gente
instruída e a escrita por muitos escritores que julguei excelentes; mas aquela
em que escreviam os literatos importantes, solenes, respeitados, nunca consegui
entender, porque redigem eles as suas obras, ou antes, os seus livros,
em outra muito diferente da usual, outra essa que consideram como sendo
a verdadeira, a lídima, justificando isso por ter feição antiga de dous séculos
ou três.
Quanto mais incompreensível é ela, mais admirado é o escritor que a
escreve, por todos que não lhe entenderam o escrito.
Lembrei-me, porém, que as minhas noticias daquela distante república
não seriam completas, se não desse algumas informações sobre as suas
letras; e resolvi vencer a hesitação imediatamente, como agora venço.
A Bruzundanga não podia deixar de tê-las, pois todo o povo, tribo, clã,
todo o agregado humano, enfim, tem a sua literatura e o estudo dessas
literaturas muito tem contribuído para nós nos conhecermos a nós mesmos,
melhor nos compreendermos e mais perfeitamente nos ligarmos em sociedade,
em humanidade, afinal.