O Coruja - Aluísio Azevedo
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Prólogo
Quando, em uma das pequenas cidades de Minas, faleceu a viúva do obscuro e já então
esquecido procurador Miranda, o pequenito André, único fruto deste extinto casal, tinha
apenas quatro anos de idade e ficaria totalmente ao desamparo, se o pároco da
freguesia, o Sr. padre João Estêvão, não o tomasse por sua conta e não carregasse logo
com ele para casa.
Esta bonita ação do Sr. vigário levantou entre as suas ovelhas um piedoso coro de
louvores, e todas elas metendo até as menos chegadas ao padre, estavam de acordo em
profetizar ao bem-aventurado órfão um invejável futuro de doçuras e regalias, como se ele
fora recolhido pelo próprio Deus e tivesse por si a paternidade de toda a corte celeste.
A Joana das Palmeirinhas, essa então, que era muito metediça em coisas de igreja,
chegava a enxergar no fato intenções secretas de alguma divindade protetora do lugar e,
quando lhe queriam falar nisso, benzia-se precatadamente e pedia por amor de Cristo que
"não mexessem muito no milagre"
É melhor deixar! segredava ela. - É melhor deixar que o santinho trabalhe a seu gosto,
porque ninguém como ele sabe o que lhe compete fazer!
Mas o "pequeno do padre" como desdaí lhe chamaram, foi aos poucos descaindo das
graças do inconstante rebanho, pelo simples fato de ser a criança menos comunicativa e
mais embesourada de que havia notícia por aquelas alturas. O próprio Sr. vigário não
morria de amores por ele, e até se amofinava de vê-lo passar todo o santo dia a olhar
para os pés, numa taciturnidade quase irracional.