O Esqueleto - Aluísio Azevedo
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Prólogo
Era por uma triste noite chuvosa, dessas que faz bem gozar quando a gente esta em casa. Lá
fora, na rua do Piolho, a chuva argamassava a lama ao ritmo plangente de uma melopéia de
cativo. E o vento vinha por ela assoviando, como por um funil, para desembocar
imprecativamente no campo da Alampadosa. Dentro, na célebre tasca do Trancoso, a luz tremia
vagarosamente nos grandes candieiros de azeite de peixe. Dava um lúgubre aspecto aquele
antro de terra batida para chão, e de paredes escalavradas onde a gaiatice dos fregueses
gostava de pintar obscenidades e onde se fazia a carvão a conta complicada dos pichéis.
Fantástico, por detrás do balcão envernizado como um cabo de enxada, o Trancoso erguia o
busto na plenitude atlética de seu tórax. Era a grande cabeça barbuda e gadanhenta e, por
debaixo da blusa felpuda de vasconço, o peito largo e forte a oscilar numa tempestade de
respirações troando muitas vezes o grito estentórico dos apelativos brutais. E, para além na
vastidão escura do aposento, por meio dos altos e bojudos tonéis cheios de cartaxo e de
aguardente de cana, estavam as pequenas mesas de pau carunchoso, rodeadas de mochos
baixos em rodelas de madeira sobre três espeques.