O Bom Crioulo - Adolfo Caminha
Download no computador / eBook Reader / Mobile
583 kb
Sinopse
Bom Crioulo é um romance de Adolfo Caminha publicado em 1895, um dos primeiros romances brasileiros a abordar abertamente o tema da homossexualidade.
Bom Crioulo foi recebido com um escandalizado silêncio pela crítica literária e pelo público, devido à ousadia de abordagem de temas tabu, como o sexo inter-racial e a homossexualidade em ambiente militar, com uma frontalidade e erotismo pouco usuais para a época.
Amaro, o personagem principal, é um escravo foragido que anseia ser dono de seu próprio destino. É aceito como marinheiro, o que lhe permite realizar o seu sonho de liberdade e que, associado ao seu físico imponententemente muscular, "sem um osso à vista", claramente mais possante que o dos outros marujos, o transforma em alguém voluntarioso e benevolente, de tal forma que recebe a alcunha "Bom Crioulo".
A disciplina da Marinha de Guerra parece-lhe suave quando comparada com a das fazendas de café, onde era escravo, e o Bom Crioulo só vai senti-la duramente quando conhece Aleixo, um belo grumete adolescente louro, de olhos azuis, por quem se apaixona. Amaro deixa de ser o marinheiro submisso. Envolve-se em brigas para defender o seu amado, embebeda-se, é castigado. Mas o que obtêm em troca de Aleixo é mais gratidão que amor.
No Rio de Janeiro, após a reforma da corveta em que viajavam, Amaro arranja um quarto para si e para Aleixo na pensão de uma portuguesa, D. Carolina, antiga prostituta que ele tinha salvado de uma tentativa de assalto. A vida com Aleixo é quase marital, e o Bom Crioulo, enfrentando alguma impaciência do rapaz, deleita-se mais com apreciar longamente o seu lindo corpo alvo do que com a obtenção do prazer sexual.
Mas esta vida quase matrimonial é efémera pois o capitão do navio para onde Amaro é transferido é extremamente rígido, dando-lhe folga apenas uma vez por semana, o que dificulta o encontro dos amantes, que deixam de se ver. Para piorar, D. Carolina, num capricho muito feminino, decide seduzir o adolescente, que se apaixona lubricamente por ela.
Amaro abandona-se à aguardente, desequilibrado, arranja confusão e é repetidamente castigado. É transferido para um hospital-prisão, em que mergulha no tédio da recuperação e do abandono. Solitário e frustrado, Amaro fica inquieto ao saber que Aleixo o teria traído com uma mulher. Foge da prisão e, já perto da pensão, encontra Aleixo e mata-o tragicamente à navalhada no meio de uma multidão quase indiferente.
Prólogo
A velha e gloriosa corveta1 — que pena! — já nem sequer lembrava o mesmo
navio d’outrora, sugestivamente pitoresco, idealmente festivo, como uma galera de
lenda, branca e leve no mar alto, grimpando serena o corcovo das ondas!...
Estava outra, muito outra com o seu casco negro, com as suas velas encardidas
de mofo, sem aquele esplêndido aspecto guerreiro que entusiasmava a gente nos bons
tempos de “patescaria”2. Vista ao longe, na infinita extensão azul, dir-se-ia, agora, a
sombra fantástica de um barco aventureiro. Toda ela mudada, a velha carcaça flutuante,
desde a brancura límpida e triunfal das velas té à primitiva pintura do bojo.
No entanto ela aí vinha — esquife agourento — singrando águas da pátria, quase
lúgubre na sua marcha vagarosa; ela aí vinha, não já como uma enorme garça branca
flechando a líquida planície, mas lenta, pesada, como se fora um grande morcego
apocalíptico de asas abertas sobre o mar...
Havia pouco entrara na região das calmarias: o pano começava a bater frouxo,
mole, inchando a cada solavanco, para recair depois, com uma pancada surda e igual, no
mesmo abandono sonolento; a viagem tornava-se monótona; a larga superfície do
oceano estendia-se muito polida e imóvel sob a irradiação meridional do sol, e a corveta
deslizava apenas, tão de leve, tão de leve que mal se lhe percebia o movimento.