De Profecia e Inquisição - Padre Antônio Vieira
Download no computador / eBook Reader / Mobile
865 kb
Sinopse
Embora eu já conhecesse a edição exemplar que Hernani Cidade
fez da defesa de Vieira perante o Santo Ofício, não pude deixar de me comover
quando tive em mãos o processo original que se encontra na Torre do Tombo1.
São quase novecentas folhas de pergaminho, malcosturadas com fio grosso. A letra
do réu é fina e se mantém clara até uma certa altura, depois começa a empastar-se.
Entrevemos o rosto do acusado ardendo em febres da malária que contraíra nas
missões do Amazonas. Ouvimos a tosse do tísico já cortada nos últimos meses de
cárcere por violentas hemoptises. Muitas das folhas já estão coladas, e o
manuscrito parece às vezes uma só mancha informe. Mas o espírito, que sopra
onde quer, não se abate nem desfalece em momento algum. Vieira insiste em
provar o tempo todo aos seus inquisidores a verdade e a ortodoxia da sua leitura
das trovas proféticas do sapateiro Bandarra: versos messiânicos escritos havia mais
de um século em uma vila da Beira chamada Trancoso.
Prólogo
Pelos autos vê-se o quanto essa utopia do réu suscitou as iras dos
seus juízes. O fato é que Vieira atraíra contra si um concurso de motivações
ameaçadoras. O anti-semitismo da Inquisição, de velas enfunadas nos Seiscentos,
vislumbrou, com a perspicácia feroz dos perseguidores, traços judaizantes naquelas
elucubrações proféticas. Era, aliás, notória a posição do nosso jesuíta em favor dos
"homens de nação" desde quando interviera junto ao rei pedindo-lhe que fossem
bem acolhidos em Portugal os judeus dispersos pela Europa. Deles poderiam vir
recursos para financiar a Companhia das Índias Ocidentais projetada pelo mesmo
Vieira. Esse é o teor da sua "proposta feita a El-Rei D. João IV, em que se lhe
representavam o miserável estado do reino e as necessidades que tinha de admitir
os judeus mercadores que andavam por diversas partes da Europa".
Havia ainda outros motivos que explicariam a animosidade do
Santo Ofício: a antipatia que os dominicanos nutriam pela Companhia de Jesus
e, last but not least, a vaidade literária de um de seus pregadores, Frei Domingos
de Santo Tomás, ferida pelas setas do nosso orador, que traçara a sua caricatura
no Sermão da Sexagésima.