Tropas e Boiadas - Hugo de Carvalho Ramos
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Sinopse
Tropas e boiadas, de Hugo de Carvalho Ramos, foi publicado pela primeira vez em 1917. A obra apresenta o universo sertanejo a partir da narrativa regionalista descrevendo de maneira poética a realidade do homem goiano, suas tradições, seus costumes, seu imaginário popular, ao mesmo tempo questionando as condições de vida dos personagens. A construção dos textos de Hugo de Carvalho Ramos privilegia a temática do mundo rural, sendo a ruralidade constitutiva de seus personagens. Pela boca dos tropeiros e dos tangerinos desfila o linguajar da região central do Brasil, carregado das nuances formatórias daquela população. Os termos são arcaicos para o início de século passado tendo em vista que o livro foi escrito no início do século XX, já resgatando termos prestes a saírem do uso cotidiano da época.
A obra é tida como a primeira formadora de uma tradição literária goiana, ainda no período do Pré-Modernismo. O livro, que mistura contos e crônicas, contribuiu para os fundamentos do regionalismo literário. O professor Heleno de Godoy, da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, ressalta que Tropas e Boiadas é a única obra goiana que é referência em todos os livros de literatura brasileira. Sem esse livro, não existiria a tradição literária capaz de insuflar o surgimento da obra de Bernardo Elis e do mineiro Guimarães Rosa.
Prólogo
O lote derradeiro desembocou num chouto sopitado do fundo da vargem, e veio a
trouxe-mouxe enfileirar-se, sob o estalo do relho, na outra aba do rancho, poucas braças
adiante da barraca do patrão.
O Joaquim Culatreiro, atravessando sem parar o piraí na faixa encarnada da cinta,
entre a espera da garrucha e a niquelaria da franqueira, desatou com presteza as bridas
das cabresteiras, foi prendendo às estacas a mulada, e afrouxou os cambitos, deitando
abaixo arrochos e ligais, enquanto um camarada serviçal dava a mão de ajuda na
descarga dos surrões.
O tropeiro empilhou a carregação fronteira aos fardos do dianteiro, e recolheu
depois uma a uma as cangalhas suadas ao alpendre. Abriu após um couro largo no
terreiro, despejou por cima meia quarta de milho, ao tempo que o resto da tropa
ruminava em embornais a ração daquela tarde. O cabra, atentando na lombeira da
burrada, tirou dum surrãozito de ferramentas, metido nas bruacas da cozinha, o chifre de
tutano de boi, e armado duma dedada percorreu todo o lote, curando aqui uma pisadura
antiga, ali raspando, com a aspereza dum sabuco, o dolorido dum inchaço em princípio,
aparando além com o gume do freme os rebordos das feridas de mau caráter.