O Ermitão do Muquém - Bernardo Guimarães
Download no computador / eBook Reader / Mobile
507 kb
Sinopse
As peregrinações devotas ou romarias são de uso imemorial em todos os países católicos. Ora penduradas
no cume de um rochedo escarpado e quase inacessível, ora fundadas no seio de uma gruta natural, ou em algum vale
escuro e triste em meio de florestas ou montanhas alterosas, em toda a parte do mundo cristão encontram-se
disseminadas aqui e acolá essas pequenas capelas ou ermidas, que de ordinário devem a sua fundação a alguma lenda
miraculosa, e que em épocas determinadas atraem a si milhares de romeiros e peregrinos.
Há sem dúvida grande dose de superstição nessas romarias, e o povo as tem feito perder muito da sua
importância e prestígio, multiplicando-as infinitamente, instituindo romarias a granel por toda parte; todavia nem por
isso deixam de ser uma das usanças mais poéticas e tocantes do cristianismo.
O Rio de Janeiro possui em seus aprazíveis e magníficos arrabaldes mais de uma ermida, que todos os anos
em dias certos atrai imenso concurso de romeiros. A nobre e altiva Paulicéa também todos os anos vê saírem de seu
seio milhares de habitantes, que em devota romaria vão levar oferendas e votos à milagrosa Nossa Senhora da Penha,
que se adora em sua linda capela erigida a duas léguas da cidade em um risonho outeiro, que domina as aprazíveis
lezírias por onde remanseia o Tietê.
Prólogo
POUSO PRIMEIRO
O CRIME
————
CAPÍTULO I
O VALENTÃO
Na cidade de Goiás, antigamente Vila Boa, existia, há de haver mais de um século, um moço que por suas
turbulências e espírito de valentia tinha adquirido a mais estrondosa nomeada por todas aquelas paragens.
Era filho de pais abastados e de boa família; porém educado à larga, abandonado desde a infância a si
mesmo, sempre em meio de más companhias, dotado além de tudo de índole inquieta e fogosa, este rapaz, que
poderia ser um homem de bem e útil à sociedade, se uma educação regular tivesse dado salutar direção aos instintos
de sua natureza, foi-se tornando um valentão famoso, talhado a molde para as galés ou para o patíbulo.
Gonçalo, que assim se chamava, aplicou-se com ardor desde criança ao manejo de armas de toda a
qualidade, a domar animais bravos, a caçar, a nadar, enfim a toda sorte de exercícios do corpo os mais rudes e
perigosos.
E de feito neste ponto sua educação foi completa; aos vinte anos de idade, não havia em toda capitania quem
com mais destreza esgrimisse uma chavasca, quem tivesse olho mais certeiro para uma pontaria, quem melhor se
segurasse nos arreios, argüentando os corcovos do burro o mais xucro, e quanto ao nadar, só poderia competir com
ele a lontra, ou a capivara.
Era também agilíssimo no jogo da faca; com os pés atados bem juntos e com uma faca em punho desafiava
a qualquer, e com tal destreza se defendia que nem assim o podiam tocar.