Momento literário - João do Rio
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Prólogo
ANTES
— O público quer uma nova curiosidade. As multidões meridionais são mais ou menos nervosas. A
curiosidade, o apetite de saber, de estar informado, de ser conhecedor são os primeiros sintomas da agitação e
da nevrose. Há da parte do público uma curiosidade malsã, quase excessiva. Não se quer conhecer as obras,
prefere-se indagar a vida dos autores. Precisamos saber? Remontamos logo às origens, desventramos os
ídolos, vivemos com eles. A curiosidade é hoje uma ânsia... Ora, o jornalismo é o pai dessa nevrose, porque
transformou a crítica e fez a reportagem. Uma e outra fundiram-se: há neste momento a terrível reportagem
experimental. Foram-se os tempos das variações eruditas sobre livros alheios e já vão caindo no silêncio das
bibliotecas as teorias estéticas que às suas leis subordinavam obras alheias, esquecendo completamente os
autores. Sainte-Beuve só é conhecido das gerações novas porque escreveu alguns versos e foi amante de Mme.
Vítor Hugo. Talvez apenas dele se recordem por ter essa senhora esquecido o gigante para amar o zoilo.
Quem vos fala hoje, a sério, de Schlegel, de Hegel, ou mesmo do pobre Hennequin? A crítica atual é a
informação e a reportagem. Há alguns anos, Anatole France dizia: "A crítica é como a filosofia, e a história
uma espécie de romance para uso dos espíritos avisados e curiosos. Ora, todo romance no fundo é uma
autobiografia, e o bom crítico é aquele que conta as aventuras da própria alma entre as obras-primas."
Atualmente, para o grande público, já não é isso. Se o romance, desde Balzac, outra coisa não foi senão a
reportagem, genial ou não, da moral e dos costumes, a crítica é a reportagem dos autores. Só dominam hoje os
que vão ao local, indagam, vêm e escrevem com o documento ao lado. A crítica passou a ser uma consulta
experimental, como a fazem Brisson e Huret, e eu posso assegurar que tenho uma impressão muito mais justa
e exata de Zola ou de Rostand, quando Brisson os narra numa das suas entrevistas, que lendo toda a panegírica
e todos os insultos de que o Cyrano e a Terre tenham sido causa.