A Senhora do Galvão - Machado de Assis
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Prólogo
Começaram a rosnar dos amores deste advogado com a viúva do brigadeiro, quando
eles não tinham ainda passado dos primeiros obséquios. Assim vai o mundo. Assim se
fazem algumas reputações más, e, o que parece absurdo, algumas boas. Com efeito, há
vidas que só têm prólogo; mas toda a gente fala do grande livro que se lhe segue, e o autor
morre com as folhas em branco. No presente caso, as folhas escreveram-se, formando todas
um grosso volume de trezentas páginas compactas, sem contar as notas. Estas foram postas
no fim, não para esclarecer, mas para recordar os capítulos passados; tal é o método nesses
livros de colaboração. Mas a verdade é que eles apenas combinavam no plano, quando a
mulher do advogado recebeu este bilhete anônimo:
"Não é possível que a senhora se deixe embair mais tempo, tão escandalosamente,
por uma de suas amigas, que se consola da viuvez, seduzindo os maridos alheios, quando
bastava conservar os cachos..."
Que cachos? Maria Olímpia não perguntou que cachos eram; eram da viúva do
brigadeiro, que os trazia por gosto, e não por moda. Creio que isto se passou em 1853.
Maria Olímpia leu e releu o bilhete; examinou a letra, que lhe pareceu de mulher e
disfarçada, e percorreu mentalmente a primeira linha das suas amigas, a ver se descobria a
autora. Não descobriu nada, dobrou o papel e fitou o tapete do chão, caindo-lhe os olhos
justamente no ponto do desenho em que dois pombinhos ensinavam um ao outro a maneira
de fazer de dois bicos um bico.