Decadência de Dois Grandes Homens - Machado de Assis
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Prólogo
Os antigos freqüentadores do Café Carceller hão de recordar-se de um velho que ali ia
todas as manhãs às oito horas, almoçava, lia os jornais, fumava um charuto, dormia cerca
de meia hora e saía. Estando de passagem no Rio de Janeiro, aonde viera para tratar
questões políticas com os ministros, atirei-me ao prazer de estudar todos os originais que
encontrava, e não tenho dúvida em confessar que até então só tinha encontrado cópias.
O velho apareceu a tempo; tratei de analisar o tipo.
Era meu costume — costume das montanhas mineiras — acordar cedo e almoçar cedo.
Ia fazê-lo ao Carceller, justamente à hora do velho, dos empregados públicos e dos
escreventes de cartório. Sentava-me à mesa que enfrentava com a do velho, e que era a
penúltima do lado esquerdo contando do fundo para a rua. Era ele homem de seus
cinqüenta anos, barbas brancas, olhos encovados, cor amarela, algum abdome, mãos
ossudas e compridas. Comia vagarosamente algumas fatias de pão-de-ló e uma chávena
de chocolate. Durante o almoço não lia; mas apenas acabado o chocolate, acendia um
charuto que tirava do bolso, que era sempre do mesmo tamanho, e que no fim de certo
tempo tinha a virtude de o fazer adormecer e deixar cair das mãos o jornal que estivesse
lendo. Encostava então a cabeça à parede, e dormia plácido e risonho como se algum
sonho agradável lhe estivesse dançando no espírito; às vezes abria os olhos,
contemplava o vácuo, e continuava a dormir tranqüilamente.
Indaguei do caixeiro quem era aquele freguês.