Duas Juízas - Machado de Assis
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Prólogo
Uma era a Devoção de Nossa Senhora das Dores, outra era a Devoção de
Nossa Senhora da Conceição, duas irmandades de damas estabelecidas na mesma
igreja. Qual igreja? Este é justamente o ponto falho do meu conto; não posso
lembrar-me em qual das nossas igrejas era. Mas, pensando bem, que necessidade
há de saber-lhe o nome? Uma vez que eu diga os outros e todas as circunstâncias
do acontecimento, do caso, o resto pouco importa.
No altar da esquerda, à entrada, ficava a imagem das Dores, e no da direita
a da Conceição. Esta posição das duas imagens definia até certo ponto a das
Devoções, que eram rivais. Rivalidade nestas obras de culto e religião não pode ou
não deve dar de si se não maior zelo e esplendor. Era o que acontecia aqui. As duas
Devoções brilhavam de ano para ano; e que era tanto mais admirável quanto que o
ardor fora quase repentino e recente. Durante longos anos, as duas associações
vegetaram na obscuridade; e, longe de serem contrárias, eram amigas, trocavam
obséquios, emprestavam alfaias, as irmãs de uma iam, com as melhores toilettes, às
festas da outra.
Um dia, a Devoção das Dores elegeu para juíza uma senhora D. Matilde,
pessoa abastada, viúva e fresca, ao mesmo tempo que a da Conceição punha à sua
frente a esposa do comendador Nóbrega, D. Romualda. O fim de ambas as
Devoções era o mesmo: era dar mais alguma vida ao culto, desenvolvê-lo,
comunicar-lhe certo esplendor que não tinha. Ambas as juízas eram pessoas para
isso, mas não corresponderam às esperanças. O que fizeram no seguinte ano foi
pouco; e, ainda assim, nenhuma das Devoções pôde dispensar os obséquios da
congênere. Enfim, Roma não se fez num dia, repetiram as devotas de ambas, e
esperaram.