Entre Santos - Machado de Assis
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Sinopse
O conto Entre Santos, de Machado de Assis, trata-se de uma narrativa dentro de outra narrativa, que em determinado momento dá caminho para mais outra. Um discreto narrador em terceira pessoa abre, já no primeiro parágrafo, espaço para um narrador em primeira pessoa, testemunha de um acontecimento surpreendente.
Enquanto era capelão na igreja de São Francisco de Paula, pôde surpreender, numa noite, o diálogo entre santos que durante o dia eram estátuas no templo. Discutiam o caráter humano, deslindado nas pessoas que vinham rezar diante deles. S. João Batista e S. Francisco de Paula eram os autores dos comentários mais ácidos em relação ao gênero humano. Um deles faz questão de lembrar uma adúltera que vinha pedir ajuda para se afastar de tal relacionamento, mas que, enquanto orava, rememorava momentos ardorosos, o que diminuía a fé a ponto de fazê-la abandonar o recinto sem nem mesmo completar seu pedido. Tudo isso se contrapõe aos comentários de São Francisco de Sales.
Prólogo
QUANDO EU ERA capelão de S. Francisco de Paula (contava um padre
velho) aconteceu-me uma aventura extraordinária.
Morava ao pé da igreja, e recolhi-me tarde, uma noite. Nunca me recolhi
tarde que não fosse ver primeiro se as portas do templo estavam bem
fechadas. Achei-as bem fechadas, mas lobriguei luz por baixo delas. Corri
assustado à procura da ronda; não a achei, tornei atrás e fiquei no adro, sem
saber que fizesse. A luz, sem ser muito intensa, era-o demais para ladrões;
além disso notei que era fixa e igual, não andava de um lado para outro,
como seria a das velas ou lanternas de pessoas que estivessem roubando. O
mistério arrastou-me; fui a casa buscar as chaves da sacristia (o sacristão
tinha ido passar a noite em Niterói), benzi-me primeiro, abri a porta e entrei.
O corredor estava escuro. Levava comigo uma lanterna e caminhava
devagarinho, calando o mais que podia o rumor dos sapatos. A primeira e a
segunda porta que comunicam com a igreja estavam fechadas; mas via-se a
mesma luz e, porventura, mais intensa que do lado da rua. Fui andando, até
que dei com a terceira porta aberta. Pus a um canto a lanterna, com o meu
lenço por cima, para que me não vissem de dentro, e aproximei-me a espiar
o que era.
Detive-me logo. Com efeito, só então adverti que viera inteiramente
desarmado e que ia correr grande risco aparecendo na igreja sem mais defesa
que as duas mãos. Correram ainda alguns minutos.