Fulano - Machado de Assis
Download no computador / eBook Reader / Mobile
148 kb
Prólogo
Venha o leitor comigo assistir à abertura do testamento do meu amigo Fulano
Beltrão. Conheceu-o? Era um homem de cerca de sessenta anos. Morreu ontem, dois de
janeiro de 1884, às onze horas e trinta minutos da noite. Não imagina a força de ânimo que
mostrou em toda a moléstia. Caiu na véspera de finados, e a princípio supúnhamos que não
fosse nada; mas a doença persistiu, e ao fim de dois meses e poucos dias a morte o levou.
Eu confesso-lhe que estou curioso de ouvir o testamento. Há de conter por força
algumas determinações de interesse geral e honrosas para ele. Antes de 1863 não seria
assim, porque até então era um homem muito metido consigo, reservado, morando no
caminho do Jardim Botânico, para onde ia de ônibus ou de mula. Tinha a mulher e o filho
vivos, a filha solteira, com treze anos. Foi nesse ano que ele começou a ocupar-se com
outras coisas, além da família, revelando um espírito universal e generoso. Nada posso
afirmar-lhe sobre a causa disto. Creio que foi uma apologia de amigo por ocasião dele fazer
quarenta anos. Fulano Beltrão leu no Jornal do Comércio, no dia cinco de março de 1864,
um artigo anônimo em que se lhe diziam coisas belas e exatas: — bom pai, bom esposo,
amigo pontual, cidadão digno, alma levantada e pura. Que se lhe fizesse justiça, era muito;
mas anonimamente, era raro.
— Você verá, disse Fulano Beltrão à mulher, você verá que isto é do Xavier ou do
Castro; logo rasgaremos o capote.