Habilidoso - Machado de Assis
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Prólogo
PAREMOS neste beco. Há aqui uma loja de trastes velhos, e duas dúzias de casas
pequenas, formando tudo uma espécie de mundo insulado. Choveu de noite, e o sol ainda
não acabou de secar a lama da rua, nem o par de calças que ali pende de uma janela,
ensaboado de fresco. Pouco adiante das calças, vê-se chegar à rótula a cabeça de uma
mocinha, que acabou agora mesmo o penteado, e vem mostrá-lo cá fora; mas cá fora
estamos apenas o leitor e eu, mais um menino, a cavalo no peitoril de outra janela,
batendo com os calcanhares na parede, à guisa de esporas, e ainda outros quatro,
adiante, à porta da loja de trastes, olhando para dentro.
A loja é pequena, e não tem muito que vender, cousa pouco sensível ao dono, João
Maria, que acumula o negócio com a arte, e dá-se à pintura nas horas que lhe sobram da
outra ocupação, e não são raras. Agora mesmo está diante de uma pequena tela, tão
metido consigo e com o trabalho, que podemos examiná-lo a gosto, antes que dê por nós.
Conta trinta e seis anos, e não se pode dizer que seja feio; a fisionomia, posto que
trivial, não é desengraçada. Mas a vida estragou a natureza.