Histórias da Meia-Noite - Machado de Assis
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Sinopse
Histórias da meia-noite é uma coletânea de contos do escritor brasileiro Machado de Assis. A compilação foi publicada em 1873 e os contos têm como tema principal a ganância.
Contos
A parasita azul — É um conto de amor que inicia a coletânea. Relata a volta do jovem Camilo a Goiás, depois de estudar medicina em Paris.
As bodas de Luís Duarte
Ernesto de Tal
Aurora sem dia — O conto tem um tom irônico, e descreve a trajetória de Tinoco, funcionário de um fórum que decide virar poeta. Porém, seus poemas são superficiais, começam a se transformar em discursos, e Tinoco resolve seguir carreira política. Em seguida, desiste da política e dedica-se à agricultura. É uma crítica à vaidade de artistas mediocres e à falta de seriedade na política. O conto publicado em 1870 no Jornal das famílias foi significativamente modificado quando de sua publicação em Histórias da meia-noite. O foco narrativo foi alterado, partes foram suprimidas e outras foram adicionadas. De modo geral, o tom moralista da primeira versão foi substituído por uma perspectiva mais irônica.
O relógio de ouro
Ponto de vista
Prólogo
Há cerca de dezesseis anos, desembarcaram no Rio de Janeiro, vindo da Europa, o Sr. Camilo
Seabra, goiano de nascimento, que ali fora estudar medicina e voltava agora com o diploma na
algibeira e umas saudade no coração. Voltava de uma ausência de oito anos, tendo visto e admirado
as principais coisas que um homem pode ver e admirar por lá, quando não lhe falta gosto nem
meios. Ambas as coisas possuía, e se tivesse também, não digo muito, mas um pouco mais de juízo,
houvera gozado melhor do que gozou, e com justiça poderia dizer que vivera.
Não abonava muito seus sentimentos patrióticos o rosto com que entrou a barra da capital
brasileira. Trazia-o fechado e merencório, como que abafa em si alguma coisa que não é exatamente
a bem-aventurança terrestre. Arrastou um olhar aborrecido pela cidade, que ia se desenrolando à
proporção que o navio se dirigia ao ancoradouro. Quando veio a hora de desembarcar, fê-lo com a
mesma alegria com que o réu transpõe os umbrais do cárcere. O escaler afastou-se do navio, em
cujo mastro flutuava uma bandeira tricolor. Camilo murmurou consigo:
– Adeus, França!
Depois envolveu-se num magnífico silêncio e deixou-se levar para terra.
O espetáculo da cidade, que ele não via há tanto tempo, sempre lhe prendeu um pouco a
atenção. Não tinha porém dentro da alma o alvoroço de Ulisses ao ver a terra da sua pátria. Era
antes pasmo e tédio. Comparava o que via agora com o que vira durante longos anos, e sentia mais
e mais apertar-lhe o coração a dolorosa saudade que o mimava. Encaminhou-se para o primeiro
hotel que lhe pareceu conveniente, e ali determinou passar alguns dias, antes de seguir para Goiás.
Jantou solitário e triste, com a mente cheia de mil recordações do mundo que acabava de deixar, e
para dar ainda maior desafogo à memória, apenas acabado o jantar, estendeu-se num canapé, e
começou a desfiar consigo mesmo um rosário de cruéis desventuras.