Iaiá Garcia - Machado de Assis
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Sinopse
Iaiá Garcia é o último romance da chamada fase romântica de Machado de Assis, publicado em 1878.
Trama
Luis Garcia era um homem reservado e que vivia exclusivamente por sua filha, Lina. Viúvo, vivia em uma casa mais afastada que se enchia de alegria quando Lina, ou melhor, Iaiá Garcia, chegava da escola. Na casa ainda havia um negro que era todo dedicado ao senhor e sua filha.
No círculo pequeno de amizades de Luis estava a Sra. Valéria, também viúva. Esta tinha um filho, Jorge. E foi por ele que Valéria chamou Luis à sua casa. Acontecia que ela desejava mandar o filho à guerra do Paraguai e queria que Luis a ajudasse a fazer a cabeça do jovem. Justificava esse desejo afirmando que era seu dever como cidadão e também em referência às glórias e méritos que tais conflitos geram aos vencedores, não acreditando na morte do filho. Porém sua verdadeira razão era fazê-lo esquecer uma grande paixão.
Na casa dela vivia Estela, filha de um grande amigo do finado de Valéria. E fora justamente essa moça que despertara em Jorge a paixão verdadeira. Jorge a amava e até chegou a se declarar e furta à moça um beijo, o que a fez resolver voltar à casa de seu pai. Mas ela apenas negava o amor que sentia, quando o descobriu logo acreditou na sua impossibilidade e o trancou para sempre ao fundo de seu coração.
Jorge que fundia a realidade com romances tanto a sua paixão o ar literário, foi à guerra e lá se manteve fiel à paixão que em carta a Luis Garcia afirmava tê-lo transformado de criança a homem. Enquanto isso Estela não sofria de amores, seu sentimento era como que esquecido e ela mantinha-se orgulhosa, firme e até mesmo fria.
Durante os anos em que Jorge ficou na guerra, Valéria, mesmo não acreditando em vestígios do romance de outros tempos, chamou Estela de volta à sua casa e viviam em perfeita harmonia. Como era seu intuito, a senhora falou à moça da necessidade de se casar e assim a segunda lhe disse que quando achasse o homem conveniente a avisaria.
Nestas circunstâncias iniciou-se um convívio mais intenso entre a casa de Luis Garcia e de Valéria. Iaiá encantava a todos eles e ela e Estela logo se fizeram companheiras. Em seguida a menina deu a falar de um casamento entre seu pai e a companheira. Luis viu como as duas se davam bem, Estela viu como ele era um homem digno e assim se fez o casamento deles: companheirismo e respeito.
Por fim, Jorge voltou da guerra – e cheio de glórias. Sua mãe já havia falecido. Ele também já sabia do casamento de Estela e, como sua família era amiga da de Luis, as visitas se fizeram necessária. Ele inicialmente se abalava enquanto ela era fria como dantes.
Quando Luis Garcia se fez doente, a presença de Jorge se tornou mais presente e, como o doente lhe pedira que auxiliasse a família, ele passou a ser íntimo da casa da mesma forma que Procópio Dias era. A convivência ali era calma, no entanto, Iaiá que já se tornara moça parecia sentir por Jorge um desprezo injustificável. A doença de Luis Garcia teve fim, mas seus problemas no coração logo lhe tirariam a vida.
Em certo tempo, em uma limpeza de papel que Luis fazia, encontrou ali a carta que Jorge lhe mandara lhe descrevendo seu amor fiel que se transformara de criança para homem. Achou graça de tal texto e deu-lhe para Estela ler. Ele não viu nenhuma das alterações por qual a esposa passara diante da carta, porém Iaiá viu. Em seguida a menina passou a desconfiar que houvesse entre a madrasta e Jorge um romance proibido que fosse mantido em segredo no coração dos dois.
Nesse tempo também, Procópio Dias afirmava a Jorge o amor que tinha por Iaiá e pedia-lhe seu apoio, ainda mais porque se via obrigado a uma viagem ao Rio que demoraria quatro meses ou mais.
Foi também aí que Iaiá mudou seu relacionamento com a madrasta e com Jorge. Para com Estela vivia de acordo a favorecer a paz doméstica e com Jorge se tornava amável. Este fez referência a ele sobre o amor de Procópio Dias, ao que a menina não mostrava nem um pouco de interesse. E bastaram esses meses que ele se mantinha fora para que Iaiá e Jorge iniciassem um romance, amavam-se de fato.
Prólogo
Luís Garcia transpunha a soleira da porta, para sair, quando apareceu um criado e lhe entregou esta carta:
5 de Outubro de 1866.
Sr. Luís Garcia — Peço-lhe o favor de vir falar-me hoje, de uma a duas horas da tarde.
Preciso de seus conselhos, e talvez de seus obséquios. — Valéria.
— Diga que irei. A senhora está cá no morro?
— Não, senhor, está na Rua dos Inválidos.
Luís Garcia era funcionário público. Desde 1860 elegera no lugar menos povoado de Santa Teresa uma
habitação modesta, onde se meteu a si e a sua viuvez. Não era frade, mas queria como eles a solidão e o sossego. A
solidão não era absoluta, nem o sossego ininterrompido; mas eram sempre maiores e mais certos que cá embaixo. Os
frades que, na puerícia da cidade, se tinham alojado nas outras colinas, desciam muita vez, — ou quando o exigia o
sacro ministério, ou quando o governo precisava da espada canônica, — e as ocasiões não eram raras; mas
geralmente em derredor de suas casas não ia soar a voz da labutação civil. Luís Garcia podia dizer a mesma cousa; e,
porque nenhuma vocação apostólica o incitava a abrir a outros a porta de seu refúgio, podia dizer-se que fundara um
convento em que ele era quase toda a comunidade, desde prior até noviço.
No momento em que começa esta narrativa, tinha Luís Garcia quarenta e um anos. Era alto e magro, um começo
de calva, barba raspada, ar circunspeto. Suas maneiras eram frias, modestas e corteses; a fisionomia um pouco triste.
Um observador atento podia adivinhar por trás daquela impassibilidade aparente ou contraída as ruínas de um
coração desenganado. Assim era; a experiência, que foi precoce, produzira em Luís Garcia um estado de apatia e
cepticismo, com seus laivos de desdém. O desdém não se revelava por nenhuma expressão exterior; era a ruga
sardônica do coração. Por fora, havia só a máscara imóvel, o gesto lento e as atitudes tranqüilas. Alguns poderiam
temê-lo, outros detestá-lo, sem que merecesse execração nem temor. Era inofensivo por temperamento e por cálculo.
Como um célebre eclesiástico, tinha para si que uma onça de paz vale mais que uma libra de vitória. Poucos lhe
queriam deveras, e esses empregavam mal a afeição, que ele não retribuía com afeição igual, salvo duas exceções.