Nem uma Nem outra - Machado de Assis
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Prólogo
Uma tarde do mês de março de 1860, entrava no Hotel Ravot um velho mineiro, que,
nesse mesmo dia, chegara de Mar de Espanha. Trazia um camarada consigo e alojou-se
num dos aposentos do hotel, tendo o cuidado de restaurar as forças com um excelente
jantar.
O velho representava ter cinqüenta anos, e eu peço perdão aos homens que têm essa
idade sem todavia estarem velhos. O viajante de quem se trata, posto viesse de um clima
conservador, estava todavia alquebrado. Via-se pela cara que não era homem inteligente,
mas tinha nos traços severos do rosto os sinais positivos de uma grande vontade. Era
alto, um pouco magro, tinha os cabelos todos brancos. No entanto, era alegre, e desde
que chegou à corte divertia-se muito com os espantos do criado que pela primeira vez
saía da sua província para vir ao Rio de Janeiro.
Quando acabaram de jantar, amo e criado entraram a conversar amigavelmente e com
aquela boa franqueza mineira tão apreciada pelos que conhecem a província. Depois de
rememorarem os incidentes da viagem, depois de comentarem o pouco que o criado
conhecia do Rio de Janeiro, entraram ambos no principal assunto que trouxera o amo ao
Rio de Janeiro.
Amanhã, José, disse o amo, precisamos ver se descobrimos meu sobrinho. Não vou
daqui sem levá-lo comigo.
— Ora, sr. capitão, respondia o criado, eu acho bem difícil encontrar seu sobrinho numa
cidade tamanha. Só se ficarmos aqui um ano inteiro.
— Qual um ano! Basta anunciar no Jornal do Commercio, e se não for bastante vou à
polícia, mas hei de achá-lo. Tu lembras-te dele?
— Não me lembro nada. Vi-o só uma vez e há tanto tempo...
— Mas não o achas um bonito rapaz?
— Naquele tempo era...
— Há de estar melhor.
O capitão sorriu depois de pronunciar estas palavras; mas o criado não lhe viu o sorriso,
nem lho perceberia, que é justamente o que acontece aos leitores.