O Dicionário - Machado de Assis
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Prólogo
ERA UMA VEZ um tanoeiro, demagogo, chamado Bernardino, o qual em cosmografia
professava a opinião de que este mundo é um imenso tonel de marmelada, e em política
pedia o trono para a multidão. Com o fim de a pôr ali, pegou de um pau, concitou os
ânimos e deitou abaixo o rei; mas, entrando no paço, vencedor e aclamado, viu que o trono
só dava para uma pessoa, e cortou a dificuldade sentando-se em cima.
— Em mim, bradou ele, podeis ver a multidão coroada. Eu sou vós, vós sois eu.
O primeiro ato do novo rei foi abolir a tanoaria, indenizando os tanoeiros, prestes a
derrubá-lo, com o título de Magníficos. O segundo foi declarar que, para maior lustre da
pessoa e do cargo, passava a chamar-se, em vez de Bernardino, Bernardão. Particularmente
encomendou uma genealogia a um grande doutor dessas matérias, que em pouco mais de
uma hora o entroncou a um tal ou qual general romano do século IV, Bernardus Tanoarius;
— nome que deu lugar à controvérsia, que ainda dura, querendo uns que o rei Bernardão
tivesse sido tanoeiro, e outros que isto não passe de uma confusão deplorável com o nome
do fundador da família. Já vimos que esta segunda opinião é a única verdadeira.