O Passado, passado - Machado de Assis
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Prólogo
Acabara o jantar às seis horas e meia. Era dia; a mor parte dos convivas descera à
chácara. Um destes, o capitão-tenente Luís Pinto, ficou na sala a conversar com o dono
da casa, o comendador Valadares, homem gordo e pacato, para quem a digestão era
coisa séria, e tanto ou quanto científica.
— E pretende fazer outra viagem? perguntou o comendador continuando a conversa
interrompida pela sobremesa.
— Agora, não. Salvo se embarcar por ordem do governo. Não é provável que precise de
outra licença; em todo caso, não iria à Europa, a não ser por moléstia.
— Mas gostou tanto que...
— Que preciso descansar. Estou com quarenta e dois anos, sr. comendador, não é
velhice; mas também não é idade de travessuras; e uma segunda viagem era verdadeira
travessura.
O comendador não aprovou nem contestou a observação do hóspede; abriu a caixa de
rapé. Tomou uma pitada e interrogou o oficial de marinha a respeito de algumas
particularidades da viagem. O oficial satisfez-lhe a curiosidade narrando-lhe uma página
das suas memórias de turista.
Luís Pinto, que sabemos ser capitão-tenente e contar quarenta e dois anos, era um
homem alto, bem-feito, elegante, daquela elegância grave, própria de seus anos. Tinha os
olhos negros e rasgados, o olhar inteligente e bom, maneiras distintas e certo ar de
superioridade natural. Era isto o físico. O moral não era diferente. Não tinha más
qualidades, ou se as tinha eram de pequena monta. Viúvo há dez anos, ficara-lhe do
matrimônio uma filha, que mandara educar em um colégio. Essa criança era todos os
seus amores na terra.