O País das Quimeras - Machado de Assis
Download no computador / eBook Reader / Mobile
203 kb
Prólogo
Arrependera-se Catão de haver ido algumas vezes por mar quando podia ir por terra. O
virtuoso romano tinha razão. Os carinhos de Anfitrite são um tanto raivosos, e muitas
vezes funestos. Os feitos marítimos dobram de valia por esta circunstância, e é também
por esta circunstância que se esquivam de navegar as almas pacatas, ou, para falar mais
decentemente, os espíritos prudentes e seguros.
Mas, para justificar o provérbio que diz: debaixo dos pés se levantam os trabalhos — a via
terrestre não é absolutamente mais segura que a via marítima, e a história dos caminhos
de ferro, pequena embora, conta já não poucos e tristes episódios.
Absorto nestas e noutras reflexões estava o meu amigo Tito, poeta aos vinte anos, sem
dinheiro e sem bigode, sentado à mesa carunchosa do trabalho, onde ardia
silenciosamente uma vela.
Devo proceder ao retrato físico e moral do meu amigo Tito.
Tito não é nem alto nem baixo, o que equivale a dizer que é de estatura mediana, a qual
estatura é aquela que se pode chamar francamente elegante na minha opinião.
Possuindo um semblante angélico, uns olhos meigos e profundos, o nariz descendente
legítimo e direto do de Alcibíades, a boca graciosa, a fronte larga como o verdadeiro trono
do pensamento, Tito pode servir de modelo à pintura e de objeto amado aos corações de
quinze e mesmo de vinte anos.