O Relógio de Ouro - Machado de Assis
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Prólogo
Agora contarei a história do relógio de ouro. Era um grande cronômetro, inteiramente novo,
preso a uma elegante cadeia. Luís Negreiros tinha muita razão em ficar boquiaberto quando viu o
relógio em casa, um relógio que não era dele, nem podia ser de sua mulher. Seria ilusão dos seus
olhos? Não era; o relógio ali estava sobre uma mesa da alcova, a olhar para ele, talvez tão espantado
como ele, do lugar e da situação.
Clarinha não estava na alcova quando Luís Negreiros ali entrou. Deixou-se ficar na sala, a
folhear um romance, sem compreender muito nem pouco aos ósculo com que o marido a
cumprimentou logo à entrada. Era uma bonita moça esta Clarinha, ainda que um tanto pálida, ou
por isso mesmo. Era pequena e delgada; de longe parecia uma criança; de perto, quem lhe
examinasse os olhos, veria bem que era mulher como poucas. Estava molemente reclinada no sofá,
com o livro aberto e, os olhos no livro, os olhos apenas, porque o pensamento, não tenho certeza se
estava no livro, se em outra parte. Em todo o caso parecia alheia ao marido e ao relógio.
Luís Negreiros lançou mão do relógio com uma expressão que eu não me atrevo a descrever.
Nem o relógio, nem a corrente eram dele; também não eram das pessoas suas conhecidas. Tratavase
de uma charada. Luís Negreiros gostava de charadas, e passava por ser decifrador intrépido; mas
gostava de charadas nas folhinhas ou nos jornais. Charadas palpáveis e sobretudo sem conceito, não
as apreciava Luís Negreiros.