O Anjo Rafael - Machado de Assis
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Prólogo
Cansado da vida, descrente dos homens, desconfiado das mulheres e aborrecido dos
credores, o dr. Antero da Silva determinou um dia despedir-se deste mundo.
Era pena. O dr. Antero contava trinta anos, tinha saúde, e podia, se quisesse, fazer uma
bonita carreira. Verdade é que para isso fora necessário proceder a uma completa
reforma dos seus costumes. Entendia, porém, o nosso herói que o defeito não estava em
si, mas nos outros; cada pedido de um credor inspirava-lhe uma apóstrofe contra a
sociedade; julgava conhecer os homens, por ter tratado até então com alguns bonecos
sem consciência; pretendia conhecer as mulheres, quando apenas havia praticado com
meia dúzia de regateiras do amor.
O caso é que o nosso herói determinou matar-se, e para isso foi à casa da viúva Laport,
comprou uma pistola e entrou em casa, que era à rua da Misericórdia.
Davam então quatro horas da tarde.
O dr. Antero disse ao criado que pusesse o jantar na mesa.
— A viagem é longa, disse ele consigo, e eu não sei se há hotéis no caminho.
Jantou com efeito, tão tranqüilo como se tivesse de ir dormir a sesta e não o último sono.
O próprio criado reparou que o amo estava nesse dia mais folgazão que nunca.
Conversaram alegremente durante todo o jantar. No fim dele, quando o criado lhe trouxe
o café, Antero proferiu paternalmente as seguintes palavras:
— Pedro, tira de minha gaveta uns cinqüenta mil-réis que lá estão, são teus. Vai passar a
noite fora e não voltes antes da madrugada.
— Obrigado, meu senhor, respondeu Pedro.