O Caminho de Damasco - Machado de Assis
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Prólogo
Eram duas horas da tarde de um dia de junho, dia de magnífico inverno, nem frio, nem
chuva, nem sol. Nem sol, é maneira de dizer; o astro-rei dominava o céu com todo o
esplendor dos seus raios; mas os raios eram temperados e brandos. Não era certamente
um sol para aquecer lagartixas, mas não o podia haver melhor para quem atravessasse
pedestremente o Campo da Aclamação.
A Rua do Ouvidor tinha, então, o movimento do costume. Gente parada em frente ou
sentada dentro das lojas, gente que descia, que subia, homens, senhoras, de quando em
quando uma vitória ou um tílburi, tudo isso dava à principal rua do Rio de Janeiro um
aspecto animado e luzido. Viam-se aqui e ali alguns deputados, trocando notícias políticas
ou admirando as senhoras que passavam, coisa muito mais deliciosa que uma discussão
a respeito do orçamento da guerra, assunto em que, nesse momento, estava falando o
respectivo ministro na Câmara. Também ali estava uma grande parte da áurea juventude
— la jeunesse dorée —, comentando o acontecimento do dia ou encarecendo a beleza da
moda. Estranharia aquela designação quem reparasse que entre os rapazes havia
também algumas suíças grisalhas e outras totalmente brancas. Mas essas suíças podiam
responder-lhe que a mocidade não é um aspecto, mas um fato interior, e que o gelo pode
cobrir a cumeada da serra sem descer à planície. Planície, neste caso, é sinônimo de
coração.