O Carro 13 - Machado de Assis
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Prólogo
A fazenda da Soledade está situada no centro de um rico município fluminense, e
pertencia há dez anos ao comendador Faria, que a deixou em herança ao único filho que
teve do primeiro matrimônio, e que se chama o dr. Amaro de Faria. O comendador morreu
em 185..., e poucos meses depois morreu a viúva, madrasta de Amaro. Não havendo
filhos nem colaterais, veio o dr. Amaro a ficar senhor e possuidor da fazenda da
Soledade, com trezentos escravos, moendas de cana, grandes plantações de café, e
vastíssimas florestas de magníficas madeiras. Conta redonda, possuía o dr. Amaro de
Faria uns dois mil contos e vinte oito anos de idade. Tinha uma chave de ouro para abrir
todas as portas.
Era formado em direito pela Faculdade de S. Paulo, e os cinco anos que ali passou foram
os únicos em que esteve ausente da casa paterna. Não conhecia a corte, onde apenas
estivera algumas vezes de passagem. Apenas recebeu a carta de bacharel retirou-se
para a fazenda, e já ali se achava havia cinco anos quando lhe faleceu o pai.
Todos supuseram, apenas morreu o comendador, que o dr. Amaro continuasse a ser
exclusivamente fazendeiro sem importar-se com mais coisa alguma do resto do mundo.
Efetivamente eram essas as intenções do moço; o diploma de bacharel servia-lhe apenas
para mostrar em qualquer tempo, se necessário fosse, um título científico; mas ele não
tinha intenção alguma de usar dele. O presidente da província, andando um dia em
viagem, hospedou-se na fazenda da Soledade, e depois de uma hora de conversa
ofereceu ao dr. Amaro um cargo qualquer; mas o jovem fazendeiro recusou, dando em
resposta que desejava simplesmente cultivar o café e a cana sem importar-se com o resto
da república. O presidente dificilmente conciliou o sono, pensando em tamanha
abnegação e indiferença da parte do rapaz. Uma das convicções do presidente era que
não havia Cincinatos.