Orai por Ele - Machado de Assis
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Prólogo
— Não, isso não; os discursos eram dele mesmo. Nem era possível que não fossem.
Como se há de levar de cor um discurso, para uma assembléia de acionistas, em que
tantos falam e sem ordem?
— Você está enganado. O comendador proferia discursos muito bem dispostos, não
respondia aos apartes que, às vezes, destruíam um argumento, e não replicava nunca a
outro orador. Quando era o primeiro que falava, podia disfarçar um pouco; mas quando
era o segundo ou terceiro, é que se via bem. Por isso empenhava-se sempre em falar
antes de todos.
— Pois olhe, não me parecia... Ele era entendido em negócios.
— Era, isso era, mas decorava os discursos.
O carro chegou à praia de Botafogo, voltando do cemitério. Pedro e Paulo tinham ido
enterrar o comendador, que falecera na véspera, de um tifo. Vieram calados, a princípio,
depois falaram das novas casas do bairro, afinal caiu a conversa no defunto, a propósito
de uma casa que ele vendera três meses antes. Paulo dizia que a casa fora mal vendida.
Pedro ponderou que os dinheiros mal ganhos não aproveitavam aos donos. Ao que Paulo
redargüiu que não, que o comendador era homem honesto, posto que burro.
— Burro não digo, replicou Pedro; era finório e grande finório.