Papéis Velhos - Machado de Assis
Download no computador / eBook Reader / Mobile
86 kb
Prólogo
BROTERO é deputado. Entrou agora mesmo em casa, às duas horas da noite, agitado,
sombrio, respondendo mal ao moleque, que lhe pergunta se quer isto ou aquilo, e
ordenando-lhe, finalmente, que o deixe só. Uma vez só, despe-se, enfia um chambre e vai
estirar-se no canapé do gabinete, com os olhos no tecto e o charuto na boca. Não pensa
tranqüilamente; resmunga e estremece. Ao cabo de algum tempo senta-se; logo depois
levanta-se, vai a uma janela, passeia, pára no meio da sala, batendo com o pé no chão;
enfim resolve ir dormir, entra no quarto, despe-se, mete-se na cama, rola inutilmente de um
lado para outro, torna a vestir-se e volta para o gabinete.
Mal se sentou outra vez no canapé, bateram três horas no relógio da casa. O silêncio era
profundo; e, como a divergência dos relógios é o princípio fundamental da relojoaria,
começaram todos os relógios da vizinhança a bater, com intervalos desiguais, uma, duas,
três horas. Quando o espírito padece, a cousa mais indiferente do mundo traz uma intenção
recôndita, um propósito do destino. Brotero começou a sentir esse outro gênero de
mortificação.