Último Capítulo - Machado de Assis
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Prólogo
Há entre os suicidas um excelente costume, que é não deixar a vida sem dizer o
motivo e as circunstâncias que os armam contra ela. Os que se vão calados, raramente é por
orgulho; na maior parte dos casos ou não têm tempo, ou não sabem escrever. Costume
excelente: em primeiro lugar, é um ato de cortesia, não sendo este mundo um baile, de onde
um homem possa esgueirar-se antes do cotilhão; em segundo lugar, a imprensa recolhe e
divulga os bilhetes póstumos, e o morto vive ainda um dia ou dois, às vezes uma semana
mais.
Pois apesar da excelência do costume, era meu propósito sair calado. A razão é que,
tendo sido caipora em minha vida toda, temia que qualquer palavra última pudesse levarme
alguma complicação à eternidade. Mas um incidente de há pouco trocou-me o plano, e
retiro-me deixando, não só um escrito, mas dois. O primeiro é o meu testamento, que acabo
de compor e fechar, e está aqui em cima da mesa, ao pé da pistola carregada. O segundo é
este resumo de autobiografia. E note-se que não dou o segundo escrito senão porque é
preciso esclarecer o primeiro, que pareceria absurdo ou ininteligível, sem algum
comentário. Disponho ali que, vendidos os meus poucos livros, roupa de uso e um casebre
que possuo em Catumbi, alugado a um carpinteiro, seja o produto empregado em sapatos e
botas novas, que se distribuirão por um modo indicado, e confesso que extraordinário. Não
explicada a razão de um tal legado, arrisco a validade do testamento. Ora, a razão do legado
brotou do incidente de há pouco, e o incidente liga-se à minha vida inteira.