Arras por Foro de Espanha - Alexandre Herculano
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Prólogo
O sino das ave-marias ou da oração, tinha dado na torre da Sé a última
badalada, e pelas frestas e portas dessa multidão de casas que, apinhadas à roda
do castelo e como enfeixadas e comprimidas pela apertada cinta das muralhas
primitivas de Lisboa, pareciam mal caberem nelas, viam-se fulgurar, aqui e acolá, as
luzes interiores, enquanto as ruas, tortuosas e imundas, jaziam como baralhadas e
confusas sob o manto das trevas. Era chegada a hora dos terrores; porque durante
a noite, naqueles boas tempos, a estreita senda de bosque deserto não era mais
triste, temerosa e arriscada do que a própria Rua Nova, a mais opulenta e formosa
da capital. O que, porém, havia aí desacostumado e estranho eram o completo
silêncio e a escuridão profunda em que jazia sepultado o Paço de a par S. Martinho,
onde então residia el-rei D. Fernando, ao mesmo tempo que pelos becos e
encruzilhadas soava um tropear de passadas, um sussurro de vozes vagas, que
indicavam terem sido agitadas as ondas populares pelo vento de Deus e que ainda
esse mar revolto não tinha inteiramente caído na calmaria e sonolência que vem
após a procela.
E assim era, com efeito, como o leitor poderá averiguar por seus próprios
olhos e ouvidos, se, manso, manso e disfarçado quiser entrar conosco na mui
afamada e antiga taberna do velho Folco Taca, que nos fica bem perto, logo ao sair
da Sé, na rua que sobe para os Paços da Alcáçova, sete ou oito portas acima dos
Paços do Concelho.