O Parocho da Aldeia - Alexandre Herculano
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Prólogo
Como a philosophia é triste e arida! Ás vezes, na primavera, o vento norte atira-se pelas encostas,
tombando dos visos da serra, como se uma intelligencia vivesse ne elle, intelligencia de maldade e
destruição. De noite e de dia os troncos das arvores torcem-se e gemem, as ramas açoutam-nos, e
despedaçam-se involtas nos braços longos e flexiveis da ventania: o demonio do septentrião sibilla no
meio dellas um zumbido entre de lamento e de escarneo. Debalde o bosque estende saudoso por um
momento os seus mais altos raminhos para o sol que se vae alevantando no oriente: a rajada despega
de novo da cumiada da montanha; o bosque curva-se para o meio-dia; e galgando por cima daquellas
mil frontes inclinadas das plantas gigantes, das rainhas magestosas da vegetação, os turbilhões da
atmosphera agitada rolam pela planicie coberta já de relva entresachada das primeiras florinhas.
Então, relva e florinhas murcham-se esmagadas pelas mãos da procella, que tudo alcançam, fustigam
e desbaratam. Os carvalhos frondosos e as boninas rasteiras, com a fronte pendida para a terra, como
outros tantos symbolos do desalento, não ousam ergue-la para o céu. É que, rugindo, a rajada cahe da
montanha em perenne catadura. Ás vezes, como por brinco infernal, o vento finge adormecer um
instante, e depois remoinha e apruma os topos das arvores e as corolas das flores, mas é para logo as
vergar com mais força, e apupar com o silvo insolente aquella rapida esperança, que se desvaneceu
tão breve.