Sonja Sonrisal - Salomão Rovedo
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Prólogo
O dia me pareceu igual a todos os dias de aposentado, cheio da calmaria silenciosa que essa fase da vida traz. Ontem, porém, tive a noite de sono agitado. Pesadelo, pressão alta, cabeça pesada (devo ter dormido de estômago cheio). De manhã ao levantar reparei o chinelo emborcado. Para completar sonhei que me caía um dente. Sinal de morte na família. Uma chatice! Minha dentadura dorme no copo d’água um sono melhor que o meu. Devo aprender a acordar como ela, sempre sorrindo lá do copo para mim. No entanto, para compensar a noite atribulada, o domingo amanheceu branco, translúcido, com o céu estupidamente azul.
Vamos vivendo sem a preocupação de mudar o ambiente de ócio puro nos fins de semana, porque afinal sábado é dia sagrado de vadiagem e domingo de descanso obrigatório, dia de coçar o saco. Segui o roteiro no ritmo de sempre: acordei, fiz meu cocozinho, botei a dentadura, tomei água de coco em jejum, mastiguei um comprimido de AAS infantil, caminhei até os jardins, fui à estação de trem, me benzi diante da igreja, cumprimentei a fauna matinal de andarilhos, retornei pela rua orlada de amendoeiras e desemboquei na Adega dos Solitários, já perto de dar meio-dia. Roteiro, claro, feito a meu gosto.
Como de praxe, ocupei a minha mesa, disposto a ler as notícias do jornal, mais as propagandas, incluindo os anúncios eróticos. Só não perco tempo lendo obituário nem fazendo palavras cruzadas, que é coisa de velho. A minha mesa fica encostada num cantinho desprezado da Adega dos Solitários, nas proximidades da porta, caminho obrigatório de todo mundo que entra e sai, ensejo para inevitáveis abraços, cumprimentos, tapinhas nas costas. De entremeio fico paquerando as mulheres que vão e vêm pelo ambiente. Existe coisa mais bonita que mulher? Ainda mais na flor da idade? Que beleza!